Os Cirurgiões-Dentistas brasileiros passaram a enfrentar demandas judiciais, com maior freqüência, a partir de 1990 (com o advento do Código de Defesa do Consumidor) e a partir da promulgação do novo Código Civil, em 2002. O Código Civil anterior, de 1916, revogado, estabelecia expressamente a responsabilidade de médicos e dentistas. Contudo, o Código atual (2002) não repetiu o preceito, nem refere-se expressamente a estes profissionais. Apenas faz remissão aos Art. 948 a 950, que tratam, respectivamente, do homicídio, da lesão corporal ou outra ofensa à Saúde e de defeito incapacitante. Tais preceitos se aplicam no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imperícia ou imprudência, cause a morte ou lesões no paciente. Como se verifica, ao utilizar a expressão paciente, a Lei deixou evidente que a extensão da responsabilidade constante do Art. 951 atinge apenas os profissionais da área de Saúde. Portanto, fica estabelecida a responsabilidade desses profissionais por via reflexa. Essa responsabilidade rege-se pelas normas do Código Civil, pois o Código do Consumidor abdicou de manter sob sua égide os profissionais liberais, como se verifica no seu Art. 14, parágrafo 4. Aspecto da maior importância da responsabilidade profissional do cirurgião-dentista e bastante preocupante é a tendência dos doutrinadores e da própria jurisprudência em considerar a atividade profissional do cirurgião-dentista como obrigação de resultados, e não obrigação de meios, como é considerada a atividade profissional dos médicos, na maior parte dos casos. Porém, apesar de sua extrema importância, não é o assunto resultados ou meios o foco deste Editorial.
Premida, então, pelo aumento das demandas judiciais, a Odontologia reagiu adequadamente nos últimos anos, escudando-se nos meios legais de proteção contra tais processos, via orientação dos cultores da Odontologia Legal e em colegas que militam na área de perícias odontológicas. Não se pode negar, assim, que o próprio exercício da Odontologia foi beneficiado com a situação, uma vez que a priorização da qualidade dos trabalhos, o melhoramento das relações pessoais com os pacientes, o próprio aprimoramento profissional, avultam como instrumentos de proteção e profiláticos de demandas judiciais.
Dentre os instrumentos recomendados e disponíveis para os profissionais, destaca-se o termo de consentimento informado, que deve ser assinado pelo paciente ou seu representante legal. Este documento deve conter todas as informações necessá rias sobre o tratamento. É documento de real valor nas relações entre paciente e profissional e cuja importância não deve ser subestimada. Fazendo parte, assim, do elenco de medidas legais protetoras do exercício profissional, o termo de consentimento informado vem sendo adotado com maior freqüência previamente a alguns procedimentos odontológicos que, igualmente com mais freqü ência, têm dado causa a demandas judiciais, como os implantes, os tratamentos ortodônticos, a cirurgia ortogná tica e a prótese.
Recentemente, os cirurgiões canadenses Dr. Kenny e Dr. Casas publicaram excelente artigo no Journal of the Canadian Dental Association (2), chamando a atenção da Odontologia mundial que o "reimplante de dentes permanentes é intervenção que traz as mesmas responsabilidades, em termos de consentimento informado, como um procedimento cirúrgico". Os autores chamam a atenção para o fato de que, ao contrário de outros procedimentos que podem ser planejados previamente à cirurgia, as avulsões dentá rias requerem decisões rá-pidas após o traumatismo, e que pacientes e, principalmente, os pais preferem, ou até pressionam para tal, que os profissionais tomem as decisões por eles.
É fato bem estabelecido que o sucesso dos reimplantes está diretamente relacionado com o menor tempo possível de permanência extra-bucal. O reimplante imediato pelo profissional, ou sob sua orientação à distância, não é o ato em questão neste comentário, podendo sim este reimplante imediato ser feito ou preconizado sem necessidade de consentimento informado.
O que se discute é a decisão de reimplantar tardiamente, mesmo após algumas horas de permanência extra-bucal. Nesta situação é que nós, profissionais, muitas vezes temos a tendência de sentirmo-nos como verdadeiros heróis, todo-poderosos, e decidir o que é melhor para o paciente, sem consultar ninguém. É verdade que as situações emergenciais das avulsões, geralmente dramáticas, favorecem esta postura, por nos considerarmos profissionais bem treinados; e o somos, realmente.
O reimplante tardio, porém, é procedimento de risco, ou seja, todas as evidências científicas apontam para sobrevida curta ou de médio prazo dos dentes reimplantados. Todo profissional bem treinado conhece este aspecto da Traumatologia Bucal. Acontece que ele não é verdadeiro para o paciente e/ou seus responsáveis legais. Se não forem suficiente e adequadamente informados sobre as reais expectativas com relação ao reimplante tardio podem (e esta é uma possibilidade cada vez mais real, nos dias atuais) acionar judicialmente o profissional, em busca de reparação de dano moral ou material.
A nossa primeira e natural reação frente a um processo dessa natureza geralmente é de indignação, incredulidade e perplexidade. Reagimos:
"Como posso eu, Doutor todo poderoso, que fiz todo o possível para salvar o(s) dente(s) deste paciente, que o atendi com a melhor boa vontade, que consegui uma permanência adicional do dente por tanto tempo, que FALEI aos pais que poderia não durar muito tempo, mas seria útil na manutenção do espaço e do osso alveolar, que tomei todas as medidas antiinfeciosas, etc., etc., etc..
COMO PODE ESTE INGRATO ME PROCESSAR?"
Sinto muito, mas pode... Se o paciente vai ganhar a demanda, se o Juiz vai nos condenar por imperícia, imprudência ou negligência, se teremos de reparar o dano moral ou material, isto é outra história. Mas, que nos incomodaremos, constituiremos advogados, provaremos, rebateremos, discutiremos, enfim, enfrentaremos todos os percalços de uma lide à s vezes demorada, quanto a isso, não há dúvidas.
A tese defendida pelos autores canadenses é a de que nenhum reimplante tardio deve ser efetuado sem o adequado termo de consentimento informado, firmado pelo paciente e/ou responsáveis. Se eles entenderem as conseqüências, aceitarem e optarem pelo reimplante, sem coerção pelo profissional, e criança permitir o procedimento, o(s) dente(s) pode(m) ser reimplantado(s). Se os pacientes e/ou responsáveis assumirem sua parte na responsabilidade da decisão de reimplantar, dificilmente ou raramente reclamarão ou demandarão, seja qual for o resultado do ato operatório.
Considerando as diversas considerações até aqui feitas, parece lógico concluir que o reimplante dentário deve ser encarado como um procedimento que necessita as mesmas cautelas legais que os demais atos odontológicos, inerentes às diversas especialidades clínicas.
A elaboração de termo de consentimento informado deve cercar-se de diversos cuidados legais, comuns a todos os documentos da espécie. Não é escopo deste Editorial fornecer modelo de consentimento informado. Esta orientação pode ser obtida na literatura ou por consulta do pessoal estudioso na área. Porém, alguns tópicos podem ser sugeridos para constarem especificamente, no caso de consentimento informado para reimplante dentário. Reimplantar ou não: história e fatores de risco (2).
• O dente que permaneceu fora do alvéolo por mais de cinco minutos, não foi estocado em meio fisiológico adequado, tem somente um destino, se reimplantado: reabsorção e perda;
• Se o paciente tiver completado o crescimento da adolescência, o dente pode permanecer mais tempo do que se for pré -adolescente, pois a reabsorção radicular diminui com a idade;
• Se o paciente for pré-adolescente, o dente ficará em infra-oclusão com o crescimento;
• Se a raiz do dente não for completamente formada, o prognóstico de sobrevivência é pobre;
• Se a raiz do dente estiver completamente formada, a necrose pulpar é esperada;
• Se a raiz do dente estiver incompletamente formada e o reimplante for rápido, a vitalidade poderá ser mantida, porém improvavelmente;
• Aproximadamente metade dos incisivos reimplantados em pré-adolescentes são perdidos em 4 a 5 anos;
• No estágio atual da ciência, não é possível entender ou prever os efeitos tardios dos reimplantes e reabsorção radicular no osso alveolar remanescente, com relação a futuros implantes dentários;
• Os custos do tratamento (financeiros e de tempo relacionados com o reimplante) devem ser estimados e comunicados detalhadamente.
Artigo publicado em: Rev. de Clín. Pesq. Odontol., v.1, n.3, jan./mar. 2005.
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